Quem
comprou os ingressos para o Teatro Nacional de Brasília
foi o Roberto, o mais sociável de nossos colegas na
atual temporada de trabalho. Trinta e sete éramos nós,
inclusive ele que teve um trabalhão danado, tanto na
escolha dos lugares pelos mapas do guichê de venda,
como depois na localização de cada companheiro
perto de quem mais tinha afinidade ou xodó. Atividade
de mestre, que estou certo, muito agradou e muito desagradou
também, principalmente a Riza que ficou incomodada
lá na primeira fila e muito de lado, tentando trocar
seu lugar por qualquer outro que estivesse disponível
entre os mil e quinhentos existentes. Não me esqueço
da cara de tristeza da Roda, do Fernando, do Dandes, do Antônio
Carlos, da Izaura, todos bem longe do restante da patota.
Mas não é disso que quero falar, nem dos que
ficaram alegres por estarem bem de frente da beleza de Irene
Ravache ou perto de Camilo Calazans, presidente do nosso Banco,
como foi o caso de Íria e Iasbek da Cleide e do próprio
Roberto, que bem conhece o lado bom de todas as coisas e o
segredo de como acontecer em cada situação.
Quero falar é da qualidade da apresentação
da peça de Maria Adelaide Amaral, a mais brasileira
de todas as portuguesas do mundo. Que coisa linda e tão
humana e tão gostosa é a vivência, no
palco, de Irene Ravache e Juca de Oliveira, nossos dois grandes
artistas de televisão e teatro! Claro que o texto,
mesmo ótimo, quase fluídico, não seria
todo se eles não fossem tão admiráveis
como são! Como ele se portam com tamanha naturalidade,
vivem cada momento de alegria ou de ódio, de felicidade
ou de angústia, ou mesmo de tédio que acaba
sendo presente! São frações de tempo
maravilhosas, realmente inesquecíveis.
Confesso que a peça é tão boa –
a Carmem já assistiu a ela quatro vezes – que
sempre nos trará novidades da mais agradáveis,
pedaços de experiências vivenciais que, queria
ou não a autora, sempre colocará o assistente
também como protagonista. As seqüências
são tão próximas da realidade da vida
entre homem e mulher, tão encaradas do dia a dia de
um casal de intelectuais que, mesmo envolvidos totalmente
na problemática do sexo, acabam abstendo-se para um
prisma dos indivíduos como pessoas sem importâncias
de serem machos ou fêmeas, mas simplesmente pessoas.
Na verdade, decalcando detalhes dos dramas íntimos
de cada um das personagens – Sérgio e Luísa
– ora, somos um, ora somos o outro, que tudo é
gente no amor e no sofrimento.
Gostei tanto de “De Braços Abertos” –
que será apresentada dentro de poucos dias em Belo
Horizonte – que não ficarei só neste comentário
ligeiro. Quero fazer uma análise mais profunda, um
pouco na ficção, um pouco no convencional, qualquer
coisa próxima das observações e vivências
com gente de quem eu conheço as alegrias e as tristezas,
de quem sinto o amar e o desamor, um sentido maior do próprio
viver. Claro há afinidade ou xodó. Atividade
de abrir cortinas de dramas pessoais iluminar intimidades,
porque respeito é bom e todo mundo aprecia. Não
acho que passe de um exercício de quem, no futuro,
espera escrever um romance, que já começa a
tomar forma e colorido, dependendo apenas de tempo e afirmação.
Quem
quiser adiantar, não deixe de ir à capital da
Minas Gerais, nos dias em que Juca e Irene estiverem lá.
Valerá a pena, estou certo!
Carnaval no Rio
Não
acredito que possa existir maior visão de beleza física
e monumental do que a oferecida pelo carnaval do Rio de Janeiro.
Nada, nenhum conjunto físico de cores e movimentos
poderá ser comparado ao desenvolvimento no sambódromo
da Marquês de Sapucaí durante duas noites ininterruptas
de desfiles das escolas, místicas de ritmo e de garra
só possível a quem realmente ofereça
o corpo e a alma por momentos de pura emoção
e deslumbramento. É uma dimensão de conjunto,
três, quatro, cinco mil almas numa só, que só
pode ser vista com o espírito carioca, uma entrega
total, um ano de preparo para ser mostrado em oitenta minutos,
pouco mais de uma hora que representa uma vida ou muitas vidas.
Tudo vale a pena se a alma não é pequena, dizia
Fernando Pessoa. No carnaval do Rio tudo vale a pena, qualquer
que seja o tamanho da alma, qualquer que seja a disposição
intima, pois a beleza não nos deixa nenhuma noção
de tempo ou de espaço, só o encantamento. “As
horas passam de leve, o sonho vive tão breve, que até
parece ilusão.” Tão bonito que nem parece
verdade, ou melhor, tudo tão grandioso, que o mito
invade o real, o sonho se materializa diante de cada expectador
insone, porque não é possível nem o cansaço,
mesmo quando a luz. Fascinação, magia, esplendor,
maravilha, sedução, vertigem, não há
palavras para uma qualificação melhor.
No
total, haverá momentos particulares, às vezes
um ângulo mais humano, uma grandeza pessoal que marcará
mais profundamente nosso coração. Na segunda-feira,
segundo dias do desfile, houve assim um instante de viva emoção.
Diante da tribuna da comissão de julgamento onde estava
Sócrates , um negrinho samba e canta, de olhos vidrados
no “Doutor”. Todo mímica e apreensão
parece, colocava nos movimentos e jogo facial um pedido que
deveria ser o mais importante de sua vida. Cada gesto dizia
ao futuro atacante na seleção brasileira no
México o que o Brasil inteiro esperava dele, uma vitória
que salvou a nossa honra e nos mergulhe numa alegria que há
tanto tempo não vemos no futebol. O negrinho não
só dançava, não só gesticulava,
não só brilhava os olhos. Vivia a alma brasileira.
E tanto fez, que o Doutor não agüentou. Emocionado,
vibrante deixou a tribuna, desceu os degraus saltou a cerca
divisória e ganhou a passarela, pulando no mesmo ritmo
do jovem admirador, numa convivência cívica que
só o brasileiro sabe fazer: Como não podia deixar
de ser, o povo delirou em aplausos, e é levada a alma
da pátria.
Quanta
emoção também quando passou como destaque
a Viúva Porcina, quando a Matilde cumprimentou a assistência,
quando Rogéria e Chacrinha aparece nos intervalos,
quando Dorival Caimi, já de cabelos branquinhos, representa
a Bahia, quase provocando saudades. Lá pelas tantas,
num intervalo um dos lixeiros da Prefeitura larga a vassoura
e se joga todo no movimento da musica, uniforme azul que se
transforma em fantasia, e o povo aplaude delirantemente. Pequeno,
gorducho, alegre, dignamente confiante, desfila na frente
da Beija-Flor, o famoso Joãozinho Trinta, técnico,
programador, anjo da guarda da escola, pai e irmão
de todos. Luiza Brunet, Monique Evans, mulheres lindas, brancas
e pretas, mulatas, morenas, louras espetaculares, jovens,
maduras, velhas baianas, garotas de poucos anos de vida, quanto
ritmo e brilho nas fantasias!
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